quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Entrevista: Belo Xis

Texto e fotos: Gianfrancesco Mello

Belo Xis

Filho de sambistas, o samba é o ritmo que sempre guiou a vida do cantor e compositor Antônio José de Santana, popularmente conhecido como Belo Xis. Este ano, ele comemora 40 anos dedicados à música. Belo Xis é o puxador oficial da escola Gigante do Samba, da Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, e faz parte da ala de compositores da Unidos da Tijuca, no Rio de Janeiro. Tem 12 CDs gravados e já tocou com grandes nomes como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Leci Brandão e Chico Silva. Influenciado também pelas músicas de Luiz Gonzaga, o artista conversou com o repórter Gianfrancesco Mello sobre o seu histórico profissional até o sucesso atual e ainda sobre o Dia Nacional do Samba, que é comemorado no dia 2 de dezembro.

Agenda Cultural – Como começou sua paixão pelo samba?

Belo Xis  Fui criado no meio do samba. Meus pais e meus tios eram todos sambistas. Eu morava na Rua Santo Moreira, no Cordeiro, e lá o meu pai – nos fins de semana – reunia a família e os amigos para tomar batida (bebida da época) e ouvir samba. Era uma grande confraternização semanal no quintal de casa entre minha família e os amigos. E eu ficava como discotecário. Tinha um pé de carambola no meu quintal e o meu pai possuía um alto-falante chamado de corneta que ele amarrava em cima do pé. Como eu era o discotecário, trocava os LPs que meu pai já tinha selecionado para tocar. Eram artistas como Ciro Monteiro, Jorge Veiga, Roberto Silva, Germano Matias, Jamelão, Elizete Cardoso, entre outros artistas tradicionais. Mas gostava de jogar bola com os meus amigos e o meu pai junto com um dos meus tios me dava dinheiro para eu não sair de lá. Eu até achava bom porque eu podia ir comprar meus gibis e, à tarde, eu assistia seriados no Cine Cordeiro. Nessa época, morávamos na casa da minha avó, Dona Maroquinha.

Depois de um tempo, meu pai comprou uma casa no bairro da Torre, próxima da praça. E o samba sempre rolava na minha casa. Aquele ritmo foi entrando na minha cabeça de uma maneira tal que só comecei a pensar em samba. Ao mesmo tempo, tinha um tio meu que morava no Bairro de São José e, na época, já existia a escola de samba Estudantes de São José. Foi assim que comecei a me entrosar com as escolas de samba. Ao mesmo tempo, na Torre, tive oportunidade de jogar futebol como goleiro do Santa Cruz na categoria juvenil. Com o tempo, fui para o América do Recife. Eles me chamavam de Santana. Aos 19 anos, fui jogar no juvenil do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Como estourei a idade no juvenil, fui ser jogador profissional no Madureira a convite do meu treinador do juvenil do Vasco, que foi chamado para trabalhar lá. No Rio de Janeiro, eu era conhecido como Toninho.


Madureira é o berço do samba. Quando eu cheguei lá, encontrei Roberto Ribeiro, que tinha vindo depois de uma passagem pelo Goytacaz Futebol Clube de Campos, da cidade de Campos dos Goytacazes, e também do Fluminense. Eu fui morar na concentração do Madureira. Fiquei dividido entre o time Madureira e as escolas de samba Portela e Império Serrano. Mas, ao mesmo tempo, minha família morava em Nova Iguaçu e os meus primos já eram ligados com a Mocidade Independente de Padre Miguel. Eu mesmo já tinha uma identificação com a escola porque eu achava esse nome muito bonito (Mocidade Independente de Padre Miguel). Foi a partir desse momento que me entrosei, ainda mais, no Rio de Janeiro. Na época, Roberto Ribeiro já estava deixando o futebol porque ele já era intérprete da Império Serrano. Lembro que, durante as nossas viagens para jogar, rolava muito samba e a batucada comia. Na ocasião, eu também já sentia minha tendência para o samba. No entanto, eu fazia parte da Mocidade porque seria muito visado na Madureira e poderia sofrer algum preconceito por ser jogador e gostar de samba. Isso porque as pessoas sempre ligavam o samba com bebida, e jogador que bebe não era bem visto.

Quando voltei ao Recife, fui gerente de uma empresa. Tinha tudo a minha disposição. Teve um tempo que joguei no São Domingos, em Maceió. Mas o que eu queria mesmo era ser sambista. Por esse motivo, criei um grupo de samba chamado Sambig Show. Lembro que já existia um outro grupo chamado Samba 5. Então, esses dois grupos começaram a fazer sucesso nos anos de 1970. Também comecei a me envolver com a Gigante do Samba, no qual ganhei vários sambas.

Agenda Cultural – Com início de sucesso nas noites pernambucanas, você voltou para o Sudeste do Brasil?

Belo Xis – Sim. Fui a São Paulo fazer parte da ala de compositores da Mocidade Alegre e passei também pela Rosas de Ouro. Com o tempo, retornei ao Recife e continuei na Gigante do Samba, mas com uma bagagem maior. À noite, durante uma apresentação, surgiu uma pessoa dizendo que era diretor artístico da gravadora Continental. Fiquei meio sem querer acreditar, mas guardei o cartão dele. No outro dia, eu olhei o cartão melhor e vi que se tratava de Moacir Machado. Fui logo encontrar com ele. Veio, então, o primeiro contrato pela Continental. Isso aconteceu no mês de maio e ele pediu que eu fosse para São Paulo em julho. Chegando lá, com tudo pronto para gravar o meu primeiro LP, o Moacir teve um desentendimento com a direção da Continental e tudo foi por água abaixo. Eu chorei. O problema é que a imprensa pernambucana já tinha feito toda aquela propaganda de eu ser o primeiro sambista pernambucano a gravar um LP em uma gravadora. Decidi continuar por lá e batalhar. Liguei para o meu pai e ele me deu muito apoio para continuar. Pedi ajuda a um amigo meu que era dono de um hotel para me deixar ficar por lá. Eu tinha levado uma fita K7 e comecei a rodar em várias gravadoras, mas ninguém se interessava.

Depois de um tempo, finalmente, fui a uma gravadora e que estava gravando era Nando Cordel. O nome da gravadora era Ariola. Contei ao Nando o que aconteceu e que estava na luta há uns três meses. Nando me apresentou a Pedrinho da Luz. Pedrinho disse que já tinha esgotado a verba de produção e que não podia fazer nenhum outro disco. Isso já era no meio de setembro e as gravadoras gostavam de lançar os LPs em dezembro. Estava muito em cima. Quando saí, voltei e falei: “Pedrinho, como você vai saber sobre o meu som? Você nem me escutou. Vou deixar uma fita K7 e você escuta na sua casa. Amanhã, eu venho buscar a fita porque à noite eu volto pra o Recife. Fui no outro dia e nada dele chegar. Deixei um bilhete com a secretária do Pedrinho para ele mandar a fita pelo malote para Silva Jamaica, da Ariola no Recife, e fui embora.

Quando fui saindo da gravadora, um cidadão correu atrás de mim e gritou meu nome. Ele disse que Pedrinho tinha chegado e que queria falar comigo. Voltei. Ele demorou a me chamar e, quando me chamou, me recebeu na porta dizendo: “Parabéns! Vou lhe gravar. Já marquei tudo. Você não volta pra o Recife agora. Ligue pra sua família.” Caí no choro porque foi muita luta para conseguir aquele sim de uma gravadora. Gravei meu primeiro LP pela Ariola e o disco foi lançado em dezembro. Isso foi em 1984, mais ou menos. Só que todos os discos de samba eram gravados no Rio de Janeiro e eu estava em São Paulo. O meu sonho era gravar no Rio. Quando conversei com ele, Pedrinho disse que eu iria para o Rio de Janeiro passar uma semana lá e que eu retornaria para São Paulo junto com os melhores músicos da época para gravar. Isso porque a verba era de São Paulo e eu tinha que gravar em São Paulo. Fiquei mais aliviado e tive a oportunidade de gravar com nomes como Rafael Rabelo (sete cordas) e Wilson das Neves (baterista), além de ter o arranjo feito por Zé Menezes. Foi assim que surgiu o LP Sambando no meio do povo.

Agenda Cultural – Por quais outras gravadoras você passou depois do seu primeiro LP?

Belo Xis – Gravei dois discos na Ariola. Quando o selo da Ariola acabou, fui para a Continental, que foi a primeira que tentei e deu toda aquela história de cancelamento. Fiz dois discos pela Continental, dois com a RGE e mais um com a Atração. Depois, gravei com João da Condil, da Som Livre. Gravei também com a Som Master. Foi assim que a minha carreira deslanchou. Sempre viajo para outros estados e eu, hoje, consolidei meu nome. Prefiro ficar mais aqui no Recife por ser uma cidade multicultural.

Agenda Cultural – Foi e é um grande esforço lutar pelo samba?

Belo Xis – Eu lutei muito pelo samba. Pernambuco é considerado a terceira capital do samba no Brasil. Comecei lutando sozinho e, hoje, temos muitos outros representantes no Estado. Eu criei aqui a primeira casa de samba chamada de Ensaio Geral, na Avenida Beberibe. Depois, surgiu o restaurante da Wanda, que se tornou o Pagode da Wanda.

Agenda Cultural – Sempre o chamam de Belo Xis. Eu mesmo o chamei de Belo Xis. Como surgiu esse nome?

Belo Xis – Tenho um amigo chamado Jorge Valadares e morávamos juntos na Torre. Lá também morava outro amigo, Gustavo Krause. Jogávamos bola e ainda realizávamos campeonato de futebol de botão. Isso a gente fazia na garagem da casa de Gustavo Krause e como eu tinha uma letra melhor, fiquei responsável por fazer a tabela. Eu coloquei, por exemplo, Sport x Santa Cruz. Entretanto, o X que fiz foi num estilo meio gótico. Lembro que Gustavo e Jorge disseram que estava bom, mas perguntaram por que eu tinha feito o Xdaquela maneira. Falei para eles pararem de reclamar, porque se era bom não era pra reclamar. Eu disse que o X tinha ficado um Belo X. Depois disso, pegou. Todo mundo dizia: “Olha! Ficou um Belo Xis”. Até minhas irmãs me chamam de Belo Xis. Ou seja, o meu nome artístico se tornou meu nome oficial. Sou o único irmão homem de uma família só de irmãs.

Agenda Cultural – E a boemia? Sambista deve ser boêmio?

Belo Xis – O sambista é muito solicitado pela roda de amigos. Também é conhecido pela tradição de se vestir com um chapeuzinho e de um jeito meio despojado. Muitos adotam aquela roupa branca... O sambista deve levar a vida numa boa. Nessas rodas de amigos, sempre sai um uísque, uma cervejinha e muitos sambas saem desses encontros. Sambista também gosta de frequentar bares de música ao vivo. Eu, quando quero compor, vou ao Parque 13 de Maio com meus amigos. Fico compondo naquelas mesas onde o pessoal fica jogando dominó. Gosto muito de falar de amor, porque transmite positividade. Isso porque não sou caseiro. Prefiro a rua a ficar em casa. Ando por aí e gosto de passear com os amigos. Água Fria, por exemplo, é o bairro onde moram meus amigos sambistas. É lá que cantamos um bom samba, na maioria das vezes.

Agenda Cultural – Parar nem pensar...

Belo Xis – Não sinto que é momento de parar. Sou saudável e encaro o meu trabalho com muito profissionalismo. Tenho muito a fazer no samba.

Agenda Cultural – Você é um dos responsáveis por trazer o Dia Nacional do Samba aqui para o Recife. Como foi esse processo?


Belo Xis – Pois é. O Dia Nacional do Samba é comemorado no dia 2 de dezembro e já era forte no Sudeste do Brasil. Há 15 anos, quando voltei de vez pra o Recife, decidi marcar essa data aqui. O primeiro samba foi na Praça do Arsenal. Na época, cheguei do Rio de Janeiro e fui direto cantar. Só quem fazia éramos eu e Ramos Silva. Depois, Wellington do Pandeiro entrou no projeto, mas não era uma coisa oficial. Muitas vezes, realizávamos o evento com o nosso próprio dinheiro. De cinco anos pra cá, a gente começou a receber um incentivo maior. Por meio do vereador Múcio Magalhães, a Prefeitura do Recife decidiu sancionar a Lei sobre o Dia Nacional do Samba. Este ano, já viemos com a data oficializada e recebemos um apoio imenso do prefeito Geraldo Júlio. Durante a comemoração, vamos entregar o Troféu Amigos do Samba ao prefeito e também a outros nomes que incentivam o samba no Estado. Também vamos contar com sambistas como Ely Peroais, Ramos Silva, Luiza Pérola, Cris Galvão, Wellington do Pandeiro e Gerlane Geo, além da bateria da Gigante do Samba, que fará um arrastão no Pátio de São Pedro, área central da cidade.

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